quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Foi Bonita a Festa Pá

- E agora Manuel?

A festa acabou e o parque estava com o ar desolado com que ficam os sítios por onde passam as manadas de humanos. Os dois homens continuavam a varrer o chão. O Manuel não respondeu, o outro continuou:

- Parece que é mesmo como aquele outro senhor Funes diz, ele que pensa bem e escreve ainda melhor, ele é que percebe, o pagode quer é festa, esta lebre já está corrida, venha a próxima efemérida em directo e alaive, para nos sentirmos outra vez muito contemporâneos com a história: "Oh, Oh, Olha para mim tão contemporâneo. Oh para mim a viver a história".

Num cartaz que o varredor segurava agora na mão lia-se: "Eu estou aqui para um dia poder dizer aos meus netos que estive aqui". O Manuel, continuava a na sua tarefa e não dizia nada. Era do Quénia, retinto, com o nariz de barata (ele disse barata e não batata) de que fala o Saramago.

- Oh Manuel já vistes?! Oh! Olha! Este nem sequer levou de volta o cartaz com ele. Dâ-se! Se era para contar aos netos ao menos guardava o cartaz, com uma fotografia dele em novo, com o cartaz na mão, com o sorriso de papalvo igual aos milhões de sorrisos papalvos - descontando o outro dos outros milhões com duas vezes mais milhões de lágrimas nos cantos dos olhos.

- Dâ-se. "Oh para ele, com o cartaz em novo, a acreditar que vai ser avó, a acreditar que o Obama vai mudar o mundo.

O que não parava de falar chama-se Chico e é mulato, cheio de ginga e de fluorescência nos ténis que acompanham a passos curtos a cadência das risadas com que ia intervalando as frases.

- Ca gandas cromos. Tu viste na televisão? Todos em pé, ali juntinhos, todos os bons e maus do filme dos últimos anos, como se estivéssemos em festa, como se a coisa não estivesse preta. A torrar dinheiro, é o que é, a torrá-lo. Ih Ih,né Maneli, a coisa está esperêta mermo, né?. Como na música do outro Chico ..."que a coisa aqui está preta".

O Manuel olhava fixamente o chão, apoiado na vassoura e pediu ao outro para se calar. Pediu baixinho, de olhos fechados enquanto chorava.

- Eh pá oh Maneli que é isso, então oh mano, eu estou com ele, mano, estou contigo mano, esta treta da malta ficar toda assim infórica é qué coma Tia diz, já n'há pachorra. Eh pá o gajo até é como eu, tás a ver, assim esticadinho, pardo, todo pintarolas. Curto o gajo, tás a ver?

O outro levantou a vassoura do chão, colou-a ao ombro, tinha uma enorme barriga que parecia desequilibrá-lo à medida que andava, tinha vestido um macacão de ganga azul, era o Pai Tomaz e enquanto ia embora disse ao outro. Ele não é como tu, ele é como eu.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

CAVE CANEM

Cuidado Com o Cão

A placa dos portões, ou o azulejo cravado no murete junto à entrada da quintinha em que se lê "cuidado com o cão", estava pelos vistos nos tempos dos romanos, em ladrinlho no chão da entrada e dizia: CAVE CANEM. Os desenhos que reproduziam os cães eram mais ferozes e sugestivos, não permitindo a confusão de significados que algumas das placas actuais consentem (fica-se sem perceber se é para ter cuidado não o pisar o cão, ou não o partir porque seja daqueles de louça). No Asterix há uma referência a essa placa e que se pode pensar ser gozo, invenção da tradução para latim do "Cuidado com o Cão" (o letreiro "Cave Canem", aparece no quinto quadrado da quinta página de La zizanie), mas não, a expressão estava em muitos dos ladrilhos das casas de Pompeia. Actualmente a expressão, para além da sua utilização nas referidas placas e azulejos, é utilizada para designar perigos não muito graves em relação aos quais há que ter cuidado ou para caricaturar as pessoas de mau feitio e coléricas.


domingo, 23 de novembro de 2008

AUT NON

Belle de Jour. Ou pas.

AUT NON ("Ou Não")

Suetônio na biografia do Imperador Cláudio (Vida de Cláudio, Cap. 21), conta que depois dos gladiadores que iam combater o terem cumprimentado com o famoso: "Ave, Caeser, morituri te salutant" (Salve César, os que vão morrer saúdam-te), terá o Imperador respondido "Aut Non" (Ou não). Ouvida a "graça" os gladiadores entenderam-na como se tivessem obtido a graça de não terem de combater, combate a que só se prestaram depois de Cláudio se ter apercebido do efeito do seu "Aut Non", vociferando e amaldiçoando a falta de sentido de humor dos seus gladiadores, que lá aceitaram combater à força de ameaças e promessas.


Ultimamente o "ou não", dito depois de uma tirada dramática, ou em resposta a uma sentença proferida com pompa, timbre e circunstância de coisa última, regressou em força e os brasileiros têm mesmo uma página da Descilopedia em que o apresentam como produto exportado do Brasil, "O Ou não começou a ser um dos principais produtos de exportação assim como seus derivados: Talvez não, Por certo que não, Isso é um não?, Pega no meu não. E também teve suas traduções: Or not, 或不是, Of Niet, Ou Pas, Oppure No, Oder nicht, 또는
아니다, или нет dentre outros." in <http://desciclo.pedia.ws/wiki/Ou_n%C3%A3o> ."


Talvez o poder da frase venha dessa primeira circunstância em que foi dita pelo Imperador. Ou talvez seja uma dessa frases que têm o poder destruidor que no outro dia me ensinaram que tinham as duas frases "entre as pernas" e "debaixo dos lençóis", se nelas intercalássemos qualquer ditado popular: (por exemplo: quem tudo quer ENTRE AS PERNAS, tudo perde DEBAIXO DOS LENÇÓIES; ou, devagar, ENTRE AS PERNAS, se vai longe DEBAIXO DOS LENÇÓIS; ou de pequenino ENTRE AS PERNAS, se torce o pepino DEBAIXO DOS LENÇÕIS; ou, quando a esmola é pequena ENTRE AS PERNAS, a pobre desconfia DEBAIXO DOS LENÇÕES; ou a cavalo dado ENTRE AS PERNAS, não se olha o dente DEBAIXO DOS LENÇÕES; depressa e bem ENTRE AS PERNAS, não há quem DEBAIXO DOS LENÇÓIS e por aí fora, todas servem). E juntando as duas (ou não e entre as pernas e debaixo dos lençóis temos:


"To be entre as pernas OR NOT to be debaixo dos lençóis" (Tu-bi-as, de Serpa dixit).


É claro que não tem de ser necessariamente ENTRE AS PERNAS e DEBAIXO DOS LENÇÓIS, se experimentarmos com NA TERRA e NO CÉU, também funciona e ganha até significado profundo, transcendentemente profético, do mesmo tipo de profundidade que tinham as frases de Peter Sellers no fabuloso filme Welcome Mr. Chance, algumas delas reeditadas sabiamente pelo novo pastor Obama, por exemplo "Quando a esmola é pequena NA TERRA o pobre desconfia no CÉU.", ou a mais óbvia: "Quem tudo quer na TERRA, tudo perde no CÉU.", brocado esse que curiosamente tem o seu paralelo "mimético" no bíblico, "é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha na TERRA que um rico chegar ao CÉU. " (brocado igualmente sempre actual, sobretudo se acrescentarmos no fim o "ou não", até porque se calhar pode não haver céu, logo, a prisão preventiva NA TERRA serve muito bem como a antecipação do castigo NO CÉU).

domingo, 16 de novembro de 2008

QUEM É ESTE MACACO?

Fotografia de Inês Gonçalves

Quis est haec simia?

Quem é este macaco?

Foi Afrânio quem pela primeira vez o perguntou. A palavra macaco era utilizada no latim frequentemente para designar os feios, tendo sido nesse sentido usada por Plauto, Cícero e Horácio. Anteriormente também Aristófanes (em "Os Pássaros") se refere a um tal de Panécio a quem chamavam "macaco" por ser baixo e feio e que se diz ter ficado famoso por ter feito com a sua mulher, danada para a brincadeira, um pacto segundo o qual ela não mais o morderia nem arranharia enquanto coiso e tal. O mesmo Aristófanes chama macaco a uma velhota feita (na Assembleia das Mulheres). Ao longo do tempo continuou-se a chamar macaco quem se queria injuriar. Em italiano é frequente ouvir-se no calor das discussões "Brutto scimiotto", expressão usada, por exemplo, pelo Conde de Almaviva quando se dirige a Dom Bartolo no final do primeiro acto do Barbeiro de Sevilha (Rossini/Sterbini), também em francês existe a expressão "Avoir le visage d'un singe." "Singe" (macaco) que também sempre foi utilizado na literatura francesa como insulto (Voltaire, Diderot, Moliére). Para além de insulto relacionado com a aparência, o animal macaco também serve para designar o que imita, o plagiador, o que contrafaz (em Português diz-se "macaquinho de imitação"), é de Moliére a frase segundo a qual as coisas mais excelentes estão sujeitas a ser copiadas por maus macacos ("Les plus excellentes choses sont sujettes à être copiées par de mauvais singes."). Há ainda uma outra utilização do epípeto "macaco" a qual se reserva para designar uma mânha malandra "tu és macaco" eu "eu tive de ser macaco com eles" no sentido de alguém que usou de astúcia que está na fronteira entre a decência e a indecência. Por último a pegunta terá sido feita pelo criador dos universos, quando veio ver como estavam as coisas na terra e se deparou com o homem.


[Adaptação e aditamento ao Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas de Renzo Tosi - Martins Fontes - São Paulo 1996]